quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O Navio de Teseu e Eu

Teseu foi o mítico matador do Minotauro e fundador de Atenas. Segundo o biógrafo grego Plutarco, o navio que levara Teseu até Creta, lar do monstro, fora preservado no porto de Atenas como um memorial. De tempos em tempos se fazia necessário reformar o navio, inclusive substituindo partes apodrecidas por partes novas, o que suscitava entre os filósofos a indagação: o navio aportado seria o navio de Teseu ainda que todas suas partes originais tivessem sido substituídas por novas? Seria o mesmo, ainda que a maior parte do navio tivesse sido substituída? Mesmo se uma única tábua o fosse?

Isto exemplifica o problema filosófico da identidade dos mutáveis, o qual resumo nos seguintes termos: Se as entidades são caracterizadas, identificadas e definidas por meio de sua composição e seus atributos, como é possível caracterizar, identificar e definir aquilo cuja composição e atributos são alterados ao passar do tempo?

Eu, como todos os seres vivos, sou um caso particular deste problema. Mais da metade da minha massa corporal é água, a qual perco e reponho todo dia. Eu corto unhas e o cabelo. Perco e ganho peso. Células de várias partes do meu corpo morrem e dão lugar a novas. É possível que hoje não haja um só átomo no meu corpo que havia no dia do meu nascimento.

O problema não é menos complicado sob o aspecto psicológico. Ao longo da minha vida adquiri e perdi memórias, hábitos, traços de personalidade etc.

Dentre as diversas soluções propostas a este problema, gostaria de mencionar duas. A primeira chamo de antimaterialista, a qual é resumível no argumento: Restringindo-se apenas a conceitos materialistas é impossível me identificar, definir ou me caracterizar. Oras, eu sou identificável, definível e caracterizável. Portanto deve haver algo além do denotado pelos conceitos materialistas, ou seja, a realidade não se resume à matéria.

A segunda abordagem, a qual não chamo por algum nome específico, não apenas rejeita a segunda premissa do argumento antimaterialista, como chega a uma conclusão contraditória a esta. Eis seu argumento: É impossível me identificar, definir ou me caracterizar, quer seja por meio de conceitos materialistas, quer seja por conceitos psicológicos (ou ambos). Portanto sou inidentificável, indefinível e incaracterizável.

Eu diria que pertenço ao conjunto dos indivíduos que aceitam esta solução, não fosse pela dificuldade inerente em identificar como elemento de um certo conjunto algo que é inidentificável, indefinível e incaracterizável.


Autor: Dante Cardoso Pinto de Almeida